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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

CRôNICAS (exerc.)

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Em 1960 Paulo Mendes Campos escreveu uma crônica chamada
“Ser Brotinho”, porém ficou um pouco desatualizada para o século XXI.
Abaixo minha adaptação para essa moderna e fria época.
O original pode ser lido no site:

www.releituras.com

SER TEEN

Ser teen não é viver em uma montanha azulada: é muito mais! Ser teen é sorrir bastante dos homens e rir interminavelmente das mulheres, rir como se o ridículo, real ou virtual, provocasse uma tosse de riso irresistível. Ser teen é não usar pintura alguma, às vezes, e ficar de cara lambida, os cabelos desarrumados como se ventasse forte, o corpo todo apagado dentro de um vestidinho tão de propósito sem graça, mas lançando fogo pelos olhos. Ser teen é lançar fogo pelos olhos. É viver a tarde inteira, em uma atitude esquemática, a contemplar o teto, só para poder contar depois que ficou a tarde inteira olhando para cima, sem pensar em nada. É passar um dia todo descalça no apartamento da amiga comendo comida aquecida no microondas e queimar o céu da boca. Ser teen é ainda possuir Ipod próprio e perambular pelo shopping do bairro com um ar sonso-vagaroso, abraçada a uma porção de mp3 e jpegs coloridos. É dizer um palavrão precisamente no instante em que esse palavrão se faz imprescindível e tão inteligente e natural. É também falar maneiro e caracas com um timbre tão por cima das vãs agitações humanas, uma inflexão tão certa de que tudo neste mundo passa depressa e não tem a menor importância. Ser teen é poder usar aparelho ortodôntico como se fosse enfeite, como um adjetivo para o rosto e para o espírito. É esvaziar o sentido das coisas que transbordam de sentido, mas é também dar sentido de repente ao vácuo absoluto. É aguardar com paciência e frieza o momento exato de vingar-se da má amiga. É ter o MSN cheio de mensagens, recados que os símbolos dos caracteres especiais tornam misteriosos, anotações criptográficas sobre o tributo da natureza feminina, um blogger com uma sentença hermético escrita, toda uma biografia esparsa que pode ser atirada de súbito ao vento que passa. Ser teen é usar piercing. É telefonar muito, estendida no chão. É querer se passar por homem de vez em quando só para conversar nas salas masculinas de chats pela madrugada. Achar muito bonito um homem muito feio; achar tão simpática uma senhora tão antipática. É fumar um cigarro de bali na sacada do apartamento, pensando coisas brancas, pretas, vermelhas, amarelas. Ser teen é comparar o amigo mais baixo do pai a um modelo de celular, e a gente vai ver está certo: o amigo do pai parece um modelo de celular . É sentir uma vontade doida de tomar banho de mar de noite e sem roupa, completamente. É ficar eufórica à vista de uma cascata. Falar inglês sem saber verbos irregulares. É ter comprado numa .com um vestidinho gozado e chic. É ainda ser teen chegar em casa ensopada de chuva e dizer para a mãe que veio andando devagar para molhar-se mais. É ter saído um dia com uma rosa vermelha na mão, e todo mundo pensou com piedade que ela estava doidona. É ir sempre ao cinema mas com um jeito de quem não espera mais nada desta vida. É ter uma vez bebido duas ices, quatro uísques, cinco taças de proseco e uma de vinho tinto seco sem sentir nada, mas ter outra vez bebido só meio cálice de vinho do Porto e ter dado um vexame modelo grande. É o dom de falar sobre futebol e política como se o presente fosse passado, e vice-versa. Ser teen é atravessar de ponta a ponta o salão da boite com uma indiferença mortal pelas mulheres presentes e ausentes. Ter estudado ballet e desistido, apesar de tantos telefonemas de Madame Saint-Quentin. Ter trazido para casa um gatinho magro que miava de fome e ter aberto uma lata de atum para o coitado. Mas o bichinho comeu o atum e morreu. É ficar pasmada no escuro da varanda sem contar para ninguém a miserável traição. Amanhecer chorando, anoitecer dançando. É manter o ritmo na melodia tecno dissonante. Usar o mais caro perfume de blusa grossa e jeans. Ter horror de gente morta, fantasmas, hackers e baratas. Ter compaixão de um só mendigo entre todos os outros mendigos da Terra. Permanecer apaixonada a eternidade de um mês por um webdsigner estrangeiro de quinta ordem. Eventualmente, ser teen é como se não fosse, sentindo-se quase a cair do galho, de tão amadurecida em todo o seu ser. É fazer marcação cerrada sobre a presunção incomensurável dos homens. Tomar uma pose, ora de soneto moderno, ora de minueto, sem que se dissipe a unidade essencial. É vasculhar e-mail de parentes, amigos, mestres e mestras com um ar sonso de quem nada vê, nada ouve, nada fala. Ser teen é adorar. Adorar o impossível. Ser teen é detestar. Detestar o possível. É acordar ao meio-dia com uma cara horrível, comer somente e lentamente uma fruta meio verde, e ficar de só de shortinho telefonando até a hora do jantar, e não jantar, e ir devorar um hamburger no shopping só para ganhar o brinde , tão estranha é a vida sobre a Terra.

Adaptada por Edas Lopes Júnior (2006)

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